No país do sincretismo religioso, pessoas recorrem a templos budistas e xintoístas na virada do ano
Num típico programa de virada do ano, depois de assistir ao programa musical Kohaku Utagasen, os japoneses comem o toshikoshi soba – macarrão de trigo sarraceno – para desejar vida longa. Por volta da meia-noite, começam os toques do joya no kane – os 108 badalares de sino – para nos livrar dos 108 desejos mundanos que os humanos relutam em se desfazer. Deles, 107 são tocados ainda no dia 31, e o último ressoa depois da virada do ano. Ao ouvir os badalares, as pessoas podem se arrepender dos pecados praticados ao longo dos últimos 12 meses e começar uma nova era com a alma pura.
No entanto, muitos mal ouvem o último badalar e já correm para um templo xintoísta para fazer pedidos para o ano que chega. Boa parte joga moedas como oferenda ainda longe das caixas de coleta, já que não conseguem chegar perto por causa do excesso de visitantes. Os templos mais populares chegam a registrar 3 milhões de visitantes nos três primeiros dias do ano.
Mas a primeira visita do ano não precisa ser necessariamente a um templo xintoísta. Muitos dirigem-se a templos budistas como o Shinsho, de Narita, e o Heiken, de Kawasaki (conhecido como Kawasaki Daishi). A mistura de deuses e religiões é comum no Japão, um país onde o xintoísmo e o budismo conviveram por séculos, até 1868, quando as duas religiões foram separadas por lei. Até hoje, muitos templos budistas ostentam altares xintoístas.
Um deles é o complexo de Asakusa, na região central de Tóquio. Dentro do terreno do templo budista de Sensoji (outra leitura para os mesmos ideogramas de Asakusa) fica o templo xintoísta de Asakusa, popularmente conhecido como Sanja-sama. Conta-se que dois irmãos encontraram uma estátua quando pescavam no Rio Sumida. O sábio da região lhes falou que a estátua era de Buda Kannon, a deusa da misericódia. Os irmãos passaram a orar todos os dias para a imagem, e o sábio tornou-se monge, dando origem ao templo budista de Sensoji. Curiosamente, descendentes dos três criaram um templo xintoísta venerando-os como deuses, junto com o deus Okuninushi no Mikoto.
Sincretismo religioso
Os sinais do sincretismo religioso estão por toda as partes: cada um dos prédios é dedicado a um dos shichifukujin, os sete deuses da fortuna da mitologia japonesa. O templo budista Sensoji é dedicado a Daikokuten, os xintoístas de Asakusa e de Yoshiwara homenageiam Ebisu e Benzaiten, respectivamente, e assim por diante. Muitas pessoas visitam anualmente os templos dedicados aos sete deuses com origem no xintoísmo, budismo hinduísmo e taoísmo.
Além destas divindades, o portal Kaminarimon também mescla diferentes religiões: na parte da frente encontram-se as estátuas de Raijin e Fuujin, os deuses do trovão e da chuva do xintoísmo – e que são considerados deuses-guardiões deste templo budista. Na parte de trás do portal estão as estátuas de Tenryuu e Kinryuu, os deuses homem e mulher da água. O par de estátuas foi instalado no local porque o portal passou por diversos incêndios. A atual edificação foi erguida em 1960, substituindo a que foi atingida no incêndio de Tawara-machi, em 1865.
Qualquer época do ano
De acordo com o site de turismo Mapple, o complexo religioso de Asakusa foi o sexto mais popular em visitas em 2010, com 2,54 milhões de pessoas nos três primeiros dias do ano. Se quiser evitar aglomerações, recomenda-se dirigir-se ao complexo depois do dia 3. E não há com que se preocupar: o hatsumode pode ser feito até o final do mês de janeiro. Muitas pessoas visitam no início do mês para aproveitar o recesso.
As orações pelo ano novo se estendem até o dia 7 no templo budista de Sensoji. Nesta data também acontece o Daikon Matsuri, quando nabos das oferendas são cozidos e distribuídos no templo Matsuchiyama Shode, dentro do complexo de Asakusa.
Mas não é só no primeiro mês do ano que Asakusa atrai turistas. Em fevereiro acontece o Setsubun, a festividade da primavera; em abril há a festa da cerejeira. Em maio acontece a maior festa: o Sanja Matsuri, em que seguidores carregam três pagodes representando as três deidades do Asakusa-jinja. Em julho, há o Hoozuki-ichi, quando vendedores e visitantes negociam vasos de lanternas chinesas. O ritmo brasileiro toma conta das ruas em agosto, quando acontece o Asakusa Carnival. Em novembro, começam os preparativos para o ano seguinte: nos dias 2, 14 e 26 há o Tori no Ichi (Mercado do Galo), quando são vendidos kumades (ancinhos) decorados com elementos que representam a fortuna, como pargo, moedas, sacas de arroz, tartarugas e outros. Pessoas que trabalham no comércio compram o kumade decorado para desejar bons negócios no ano seguinte.
O último evento das ruas comerciais do entorno é o Hagoita-ichi, quando é vendido uma espécie de raquete de madeira decorada com figuras humanas. O mercado acontece entre os dias 17 e 19 de dezembro, no Nakamise, a rua comercial que dá acesso ao portal Kaminarimon. Além de beldades vestidas ricamente, são reproduzidos em tecido atores de kabuki e personalidades do ano. Essa tradição vem de longe: no período Edo, as raquetes com reprodução de astros do kabuki atraíam as jovens, o que levou o mercado, que, na verdade, comercializa diversos itens relacionados ao ano novo, receber o nome do produto mais popular.
Em qualquer época do ano, a pedida é entrar nas lojas e se divertir. As lojas do Nakamise e outras ruas comerciais vendem desde lembrancinhas para turistas até produtos dificilmente encontrados em outros endereços, como perucas e maquiagem específicas para quem pratica dança japonesa. Há ainda a loja de brinquedos Sukeroku, a única que permaneceu de portas abertas desde o início das atividades do Nakamise. Um produto bastante popular é o senbei, biscoito salgado de massa de arroz. As lojas os assam um a um, na frente dos visitantes. Certamente uma boa pedida depois de horas de caminhada.
Serviço
Acesso: há quatro estações na proximidade do Asakusa Kannon Sensoji, todas com o nome de estação Asakusa. A cinco minutos a pé ficam as paradas das linhas Isezaki, Tobu e Ginza, do metrô, e da Tsukuba Express. A sete minutos, fica a saída A4 da linha Asakusa do metrô
Horário: os templos abrem das 6h30 às 17h, todos os dias, com entrada gratuita
Fonte: Jornal NippoBrasil
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